Diários em combustão
fotografias 35mm2014
Prenez garde de vous
Estamos numa paisagem industrial. O asfalto se estende, sujo, inóspito, áspero, anódino. Restos de objetos imprecisos se espalham no chão criando no âmbito noturno uma constelação urbana onde alguém flutua como um astronauta perdido na imensidão industrial. Outros restos se expandem monstruosa e desesperadamente na verticalidade de um muro. Outros são compilados, carregados, elevados numa vertiginosa e frágil acrobacia. Outros se sucedem no espaço temporal, numa estética do equívoco de um difícil e incerto registro videográfico. Outros são extraídos e sublimados em recortes pintados por fumaça e água. Outros são contidos em livros impossíveis como se fossem segredos. Em todos os casos esses restos são signos, números, linhas de divisão e direção que nos orientam em um mapa inverossimilmente afetivo. Lamonier desenha um complexo entrelaçado de códigos, sinais, vestígios, cicatrizes, gestos que definem uma linguagem e que delimitam esse território, mas que também traçam roteiros. Estamos na verdade frente a um auto-retrato cartográfico. Nessa paisagem, o que seria para nós hostilidade, representa para ele o universo da sua estória pessoal, o lugar de memória da sua felicidade e da sua infelicidade, da sua liberdade e da sua condenação, do que lhe é próprio e do lhe é alheio, do que lhe é precioso e do que lhe é aterrador. Nos olhamos naquele que está abandonado, extraviado, mas que por uma luminosidade própria do condenado, ainda nos olha de frente, nos olhos, e nos dá pistas para ser achado e seguido: luz, fogo, fumaça, mapa. Como se nos encontrássemos no Hades, Randolpho incorpora o papel do Caronte, ou do Stalker de Tarkovsky, numa versão pueril que tensiona a graça e a ironia, a delicadeza e a crueza como duas pontas de uma mesma linha.
Rosa Maria Unda Souk
Memorial de Cacos
Dimensões variáveis
Galeria Orlando Lemos, Nova Lima, 2014
Foto: Victor Galvão